Oito experiências relacionadas às aprendizagens, desafios e atuação na participação e controle social e efetivação do direito humano à saúde foram apresentadas no Seminário de Sistematização do Fórum Direito Humano à Saúde (Fórum DH Saúde). As atividades ocorreram entre os dias 27 e 28 de novembro, em Brasília/DF, contando com a presença de lideranças sociais, pesquisadores e educadores populares que integram o eixo sistematização do Projeto Participa+, assessorados pela equipe do Centro de Educação e Assessoramento Popular (Ceap).
A sistematização é uma interpretação crítica que reconstrói experiências, facilitando o desenvolvimento e pensamento institucional, sendo uma construção coletiva de conhecimento, daqueles que vivenciam a experiência e refletem criticamente sobre ela, promovendo aprendizagens significativas.
Durante o Seminário foram expostos banners com sínteses da sistematização de cada uma das oito experiências, objetivando socializar o processo com todos os movimentos participantes do Fórum DH Saúde. De acordo com o pesquisador e educador popular do Ceap, Henrique Kujawa, as sistematizações são importantes pois “demonstram uma diversidade de experiências de participação e controle social, que vão da atuação em espaços institucionais, como os conselhos, à luta pelo reconhecimento e efetivação de direitos, atuação em territórios específicos e ações de atenção integral à saúde”.
Sistematizações
O projeto desenvolvido pela Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) denominado “Educação em Saúde da Trabalhadora e do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS”, desenvolvida entre 2016 e 2018, e que formou agentes multiplicadoras em saúde em diversos estados brasileiros foi apresentado, contando com o apoio de pesquisas e entrevistas dos membros da comunidade. No trabalho foi pontuado que o projeto “foi uma porta de entrada das pescadoras no controle social em saúde, depois dele, passaram a atuar mais em conselhos de saúde e em outras instâncias de participação e diálogo com o estado”. O projeto trouxe novos conhecimentos, especialmente sobre os direitos das mulheres, sobre a pesca como profissão e sobre as doenças que o trabalho da pesca e a jornada dupla de trabalho acarretam para as pescadoras.
O “Conceito de Saúde no MST” é o objeto de sistematização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com a explicação de que durante e após a Covid-19, o setor de saúde do MST passou por transformações. Entre as experiências apresentadas, está a que o Movimento considerou que a saúde é um trabalho de cuidado do indivíduo e da comunidade e uma luta contra as opressões. O MST compreendeu que as condições de vida e saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores rurais estavam ligadas à luta pela terra e por melhores condições de vida. A sistematização mostrou que o setor de saúde nasceu com a missão de garantir o acesso ao cuidado de saúde e de qualidade para as comunidades assentadas e acampadas, promovendo uma abordagem integral e preventiva.
Já a Confederação Nacional da Associação de Moradores (Conam) socializou a experiência “A Conam somos nós, nossa força, nossa voz”, que aborda a vivência da entidade no Conselho Nacional de Saúde, com objetivo de compreender seu histórico de atuação, buscando identificar ações do grupo relacionadas ao controle social em saúde, que contribuíram para o fortalecimento do grupo e que simultaneamente contribuíram para a luta do direito humano à saúde. Entre os principais aprendizados estão que a confederação é um espaço importante para a formação política de lideranças e que a Conam contribuiu para o controle social em saúde nos territórios, capacitando lideranças comunitárias para o controle social e fortalecendo os conselhos de saúde. Entre os desafios está a retomada do protagonismo nos conselhos municipais e locais de saúde, maior inclusão das mulheres em cargos de direção e coordenação, além da retomada das qualificações de lideranças comunitárias, entre outros.
O “Processo de luta pela aprovação da Política Nacional dos Atingidos pelas Barragens (PNAB)” é a experiência que está sendo trabalhada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A sistematização desta experiência apresentou estratégias e caminhos para novas lutas, como a efetivação do direito humano à saúde dos atingidos. Entre as aprendizagens da sistematização, está a importância da definição de estratégias institucionais de longo prazo, mantendo a centralidade dos princípios de luta. A resiliência frente às adversidades políticas e econômicas, a importância de articulação com a formação de rede de apoio e a capacitação de adaptação e negociação com diferentes contextos políticos, a importância do investimento em formação de quadros internos e a importância da organização popular e da articulação nacional e internacional.
O “Processo de monitoramento das políticas públicas de saúde nas prisões de Joinville/SC, durante a pandemia da Covid-19”, é o objeto de sistematização do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) que abordou o monitoramento das políticas de saúde no sistema prisional durante a pandemia, destacando o papel de entidades de controle social que atuaram na defesa do direito à saúde para pessoas presas em um contexto de negacionismo estatal. Entre as principais aprendizagens estava como a rede do MNDH e entidades de filiadas promoveram o monitoramento do acesso à vacina para a população carcerária, pressionando o Estado e o Judiciário em prol dos encarcerados, além disso, destaca a atuação da organização da sociedade civil, de universidades, entidades religiosas e OAB amplificando a fiscalização do sistema prisional e gerando resultados efetivos. O relatório aponta que a atuação da sociedade civil evitou mortes por Covid na população carcerária, mesmo com desafios como a superlotação.
Atuação do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Quixerámobim/CE no Conselho Municipal de Saúde é o objeto de sistematização da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) refletindo sobre a atuação dos representantes do sindicato em quatro gestões do Conselho Municipal de Saúde do município de Quixerámobim. Entre os aprendizados apontados, está que a atuação do sindicato na saúde não foi somente para garantir assento no conselho, mas também para atuar no empoderamento e autonomia, construindo estratégias de liderança. O documento aponta que a sistematização é uma oportunidade para motivar os demais sindicatos e trabalhadores rurais brasileiros a ocuparem os conselhos municipais de saúde.
A União Brasileira de Mulheres (UBM) está sistematizando sobre a sua participação no Conselho Nacional de Saúde (CNS). A UBM é uma entidade feminista e emancipacionista na defesa dos direitos das mulheres e vem atuando no Conselho Nacional de Saúde e na Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher. Ao sistematizar a experiência para reconstruir a história de sua participação no CNS, a entidade pode refletir coletivamente sobre ela. Entre os aprendizados apontados na apresentação está a importância da memória e de resgatar e organizar documentos, realizar entrevistas, reconstruindo uma linha do tempo de atuação, valorizando as conquistas da entidade no espaço do CNS, que é fruto de um trabalho coletivo de enfrentamentos e desafios.
Por fim, o Coletivo de Mulheres Negras e LGBTs Ayomidê Yalodê está sistematizando “Obirin Aió: um reencontro ancestral na rota do autocuidado radical”, que destacou que por meio do fortalecimento do saber ancestral, buscou-se instruir para incidência política e oferecer cuidados imediatos para uma vida saudável nas comunidades de terreiro de Salvador, Bahia, em 2023. O estudo pontuou que os terreiros de Candomblé são frequentemente vistos apenas como locais de resistência e intolerância religiosa. A sistematização pontuou que esse problema ignora outras dinâmicas importantes que acontecem nesses espaços, como a rede de apoio, os cuidados, a troca de saberes e a interação com a comunidade, especialmente em relação à vulnerabilidade e à violência. O Coletivo compreendeu a necessidade de organizar melhor o registro de suas atividades e também a importância do relatório técnico e do relatório afetivo de forma sistemática.
De acordo com Kujawa, a apresentação e o debate destas experiências, que estão em processo de sistematização, contribuem para que os movimentos participantes do Fórum DH Saúde reflitam sobre os aprendizados que estas experiências trazem e os desafios colocados para a participação popular, o controle social e a luta pela efetivação do SUS e do direito humano à saúde.