Lula reinstalou Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos extinta durante o governo Bolsonaro. Ainda há pelo menos 144 pessoas desaparecidas pela ditadura no Brasil
A retomada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) durante a ditadura militar foi publicada no Diário Oficial da União no início do mês de julho (04/07), medida fundamental para trazer a verdade sobre as mortes ocorridas durante a ditadura no Brasil.
De acordo com o educador popular e defensor de direitos humanos, Paulo César Carbonari que é associado do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP), da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) e membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Comissão foi criada por meio da Lei n° 9.140, de 04 de dezembro de 1995 para atender às responsabilidades constitucionais com os compromissos internacionais de direitos humanos. “É parte da tarefa de reparação às violações de direitos humanos no período da ditadura civil-militar instalada no Brasil na década de 1960 e que perdurou até a redemocratização do país na década de 1980. Sua extinção foi uma ilegalidade, além de ser uma expressão da falta de compromisso com os direitos humanos do governo Bolsonaro. Nenhuma novidade aquele governo ter feito o que fez. Um ato de justiça e de restituição da legalidade o ato de Lula”, pontuou.
Atuação
A comissão passou por quase oito mandatos presidenciais, tendo como objetivo reconhecer e trazer a verdade à tona sobre as mortes políticas causadas durante a ditadura no país. Em 2019, a Comissão teve alterada sua composição em quatro das sete cadeiras pelo governo Bolsonaro, após ter emitido um documento reconhecendo que a morte “violenta” de Fernando Santa Cruz, ativista de esquerda desaparecido durante a ditadura e que foi causada pelo Estado. “Não é demais lembrar que o Brasil viveu muitas ditaduras, têm uma herança escravocrata e de extinção dos povos indígenas. A ditadura civil-militar mais recente deixou marcas profundas, pois destruiu as condições da vida democrática, perseguiu, matou e legou um número significativo de desaparecidos. Há um grupo grande de brasileiras e brasileiros que seguem com posições negacionistas a respeito. Por isso, a atuação da Comissão é essencial para revelar que a ditadura não foi nada “branda” e menos ainda que foi uma forma de evitar o comunismo”, disse.
Conforme Carbonari, a agenda da Comissão se soma ao processo de redemocratização que sempre marcou a resistência contra a ditadura. “A luta pela popular foi sendo ampliada e afirmada ao longo dos anos. O CEAP é, inclusive parte deste processo, pois é fruto dele e sempre se somou a ele: nasceu em 1986, no momento forte das lutas por redemocratização e, desde lá, segue promovendo direitos e participação popular”, disse.
Resposta às famílias
A comissão terá como desafio examinar dados e documentos relativos ao desaparecimento e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período de 2 setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, tentando localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações aos familiares. “O principal trabalho desta Comissão é dar resposta às famílias e à sociedade brasileira a respeito daquelas pessoas que, por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas durante o período da ditadura tenham sido mortas ou que tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”, explicou.
Lei de Anistia
Conforme Carbonari o Supremo Tribunal Federal (STF) segue com o entendimento de que a Lei da Anistia (Lei n° 6.683/1979) impede que haja responsabilização pelos crimes contra a humanidade cometidos na ditadura – em flagrante desrespeito à Constituição Federal de 1988 e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. “Os crimes contra a humanidade não são passíveis de anistia e nem mesmo prescrevem. O Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em vários casos com determinações para que responsabilize pelos crimes da ditadura como no Caso Araguaia e Caso Herzog. Mesmo assim, os passos sãolentíssimos”, disse.
Comissão da Verdade
A Comissão Nacional da Verdade (CNV), foi instituída pela Lei nº 12.528/11 buscando apurar as graves violações aos direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro entre 1946 a 1988, detendo-se especialmente nos 21 anos da ditadura iniciada em 1964.
“Há um grupo grande de brasileiras e brasileiros que seguem com posições negacionistas a respeito. Por isso, a atuação da Comissão é essencial para revelar que a ditadura não foi nada “branda” e menos ainda que foi uma forma de evitar o comunismo. Uma sociedade que não se pronuncia expressamente contra o arbítrio, corre o risco de repetir as práticas autoritárias, racistas e fascistas”
Paulo César Carbonari
A Comissão Nacional da Verdade, que atuou entre 2012 e 2014 revelou farto material sobre o assunto podendo ser acessado aqui. Mas conforme Carbonari, a maior parte de suas recomendações ainda está por ser implementada. “Neste ano, nos 60 anos do golpe civil militar, o governo federal recomendou que não fossem feitas atividades oficiais de memória – ainda que as organizações da sociedade civil tenham feito muitas. A justiça de transição, como é chamada, não está na agenda democrática brasileira. É por isso que os torturadores, os grupos de extermínio, as milícias, enfim, aqueles que aprenderam a destruir a democracia, continuem por aí, impunes e defendendo ataques à democracia, acampando na frente de quartéis e pedindo “intervenção militar”, fazendo tentativa de golpe, como no 08 de janeiro de 2023”, criticou.
Trabalho da Comissão
Segundo o governo federal até o ano de 2008, a Comissão já havia reconhecido formalmente e aprovado reparação indenizatória de 221 desaparecidos políticos, além de outros 136 cujo assassinato já havia sido reconhecido em lei, segundo relatório da Comissão. Um dos trabalhos mais emblemáticos foi a identificação de mortos encontrados na vala clandestina de Perus, em São Paulo, onde foram encontradas ossadas de vítimas da repressão militar. Mesmo que a listagem dos mortos e desaparecidos ainda não esteja completa é possível saber mais sobre o trabalho da Comissão pelo site www.gov.br/participamaisbrasil/cemdp. “As ossadas de Purus, do Araguaia e tantas outras ainda precisam ser identificadas. Uma sociedade que não se pronuncia expressamente contra o arbítrio, corre o risco de repetir as práticas autoritárias, racistas e fascistas. Por isso a sociedade brasileira ainda precisa fazer a justiça de transição para dar passos efetivos de consolidação da democracia”, finalizou.