Presidenta da UBM considera projeto de lei um atentado ao avanço civilizatório, aos direitos das mulheres, à lei e à democracia

Vanja Andréa Reis dos Santos é coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher do CNS e integrante da UBM

Em entrevista, a liderança feminina que preside a União Brasileira de Mulheres (UBM) Vanja Andréa Reis dos Santos, se posiciona sobre o PL 1904, também conhecido como “PL do Estupro” que criminaliza mulheres vítimas de estupro. Mobilização nacional pede arquivamento do projeto.

Uma pauta que ganhou os noticiários, tomou as ruas e vem sendo alvo de intenso debate, o PL 1904/2024, também conhecido como “PL do Estupro” prevê que o abordo realizado acima de 22 semanas de gestão, independentemente da situação, passará a ser considerado crime de homicídio, inclusive em casos de estupro. A pena é maior à vítima da violência do que ao estuprador, podendo ser de seis a 20 anos para a mulher que realizar o procedimento, enquanto que para o crime de estupro o tempo estipulado é de 10 anos de prisão.

Após a grande mobilização contra o projeto e a repercussão em todo o país, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), retirou o requerimento de urgência da votação e afirmou que o projeto de lei será debatido no segundo semestre, após o recesso parlamentar. Com a retomada dos trabalhos no Congresso, a expectativa agora é pelo arquivamento deste projeto.

Para a coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Andréa Reis dos Santos, o projeto não faz parte de uma ação isolada, integrando um movimento da extrema direita, conservadora e fundamentalista no país. “Está sendo estabelecido, em todo o país, esse campo fundamentalista da política que tem tentado avançar sobre os direitos das mulheres em vários lugares. Esse PL não é do aborto é do estuprador, então estamos na luta em várias câmaras municipais e assembleias legislativas, porque projetos como esse estão sendo apresentados a rodo”, pontua.

Vanja destaca que é importante estar o tempo todo vigilante e relembra que há pouco tempo as mulheres precisaram se mobilizar na Primavera Feminista, onde disseram não ao Estatuto do Nascituro, destacando que queriam sua liberdade e direitos preservados. “Naquele momento as mulheres disseram não, não queremos isso, fora ao Cunha, que depois sai e acaba sendo preso. Agora vem essa lei e a gente volta para rua de novo, isso significa que nascer mulher é nascer em luta, ser mulher é um estado de perigo constante, é um desafio, uma luta diária. Uma luta de uma vida toda”, disse.

Epidemia de violência sexual contra meninas e mulheres

Segundo o Atlas da Violência de 2024 há uma epidemia de violência sexual contra meninas e mulheres, já que em 2022, a violência sexual representou 30,4% das violências sofridas por vítimas de zero a nove anos; 49,6% para vítimas de 10 a 14 anos; e 21,7% entre 15 e 19 anos. “Estamos em um momento muito difícil, do limiar dos nossos direitos e precisamos nos colocar mais, porque estão ameaçando todas essas leis que foram fruto de muitas lutas das mulheres. Mulheres que lutaram para estar na política, para ter direito a fazer o aborto legal, dentro das três perspectivas que são colocadas na lei”, disse, destacando que muitas vezes a violência sexual é realizada por parente ou alguém muito próximo da vítima. “São as mulheres, as mais pobres, as negras e dentro de casa que são vítimas pelos familiares, inclusive os mais próximos, então é toda uma sequência de violência que se sofre.  Não podemos nos calar, aceitar esses limites que tentam nos colocar por um estado que é originalmente, culturalmente machista e transgressor dos direitos das mulheres”, afirmou.

Alteração no “PL do Estupro”

Após a grande repercussão, o autor da “PL do Estupro”, deputado federal Sóstenes Cavalcante, afirmou que a proposta será alterada, propondo que não haja prisão para mulheres vítimas de estupro, contudo a medida continua sendo alvo de críticas por movimentos e mulheres que pedem o arquivamento da proposta. “O autor do projeto chegou a dizer que por um pedido da Michele Bolsonaro, ele se convenceu que teria que fazer uma alteração no projeto. Então é preciso estar atento, ele é candidato a prefeito na cidade dele, eles estão aproveitando esse ‘circo’ para se colocar no centro da pauta conservadora”, diz.

Vanja comenta que a nova proposta do deputado seria de punir os profissionais de saúde, o que pode ocasionar uma maior deficiência no atendimento às vítimas de violência sexual. “Se os profissionais da saúde, por medo de serem prejudicados em sua vida profissional ou pessoal se intimidarem e resolverem não atender a lei, o que vai acontecer com essas mulheres? Elas vão recorrer a procedimentos perigosos, pílulas, intervenção diretas e nós vamos aumentar o óbito das mulheres. Então nenhuma modificação neste projeto de lei nos interessa, é preciso arquivar essa lei. Esse projeto não tem que prosperar, é um atentado ao nosso avanço civilizatório, aos direitos das mulheres e dos profissionais, à lei e à democracia”, destacou.

Aborto e saúde pública

Uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostrou que mesmo nas situações legais para a prática de aborto, as mulheres vítimas de violência sexual ainda encontram muitas dificuldades pelo SUS, pois apenas 3,6% dos municípios brasileiros oferecem o serviço de aborto legal nas redes de saúde.  Além disso, a pesquisa mostrou que 20 mil mulheres engravidam por estupro anualmente no país, enquanto são realizados 2 mil abortos legais por ano.  “Há uma discrepância da situação dos casos denunciados e dos abortos legais, essa matemática não bate. Então você chega à conclusão que a quantidade do serviço do aborto legal não apenas é insuficiente para atender a demanda real, mas também não tem as estruturas que são fundamentais para que esse serviço possa funcionar com eficácia”, diz.

Vanja explica que é preciso fortalecer a rede de atenção às mulheres, qualificando a infraestrutura dos locais de atendimento, com exames realizados com rapidez e sem burocracia, capacitação das equipes médicas e de quem atua no acolhimento das vítimas de estupro. “Quando falamos da questão do aborto e da violência sexual, enfatizamos que é uma questão de saúde pública. Envolve a saúde da mulher, os locais de atendimento, a divulgação, a própria construção familiar em torno dessas pessoas. Também envolve a justiça, porque não é fácil conseguir que o processo legal seja rápido como o caso necessita, além disso tem o transporte, o acolhimento… então é todo um conjunto que acaba deixando essas questões muito mais escondidas, difíceis de resolver”, disse.

Defesa da saúde e das mulheres pauta ano eleitoral

Vanja representa a UBM no Fórum Direito Humano à Saúde (DH Saúde) que está desenvolvendo uma campanha para que candidatas e candidatos se comprometam com a defesa da saúde, do SUS e dos direitos das mulheres. “Queremos que os movimentos sociais, as mulheres, apresentem propostas que defendam o SUS e garantam os direitos das mulheres dentro da atenção e direito reprodutivo e que isso seja assumido pelas candidaturas”, pontuou. Ainda sobre o Projeto de Lei, Vanja disse que é preciso entender que a intervenção na gravidez de uma menina vítima de estupro não é uma pauta apenas das mulheres, mas de toda a população brasileira. “A pesquisa que saiu no final de junho aponta que a população é a favor, sim, da interrupção da gravidez diante de estupro. Queremos ser respeitadas e ter nossos direitos respeitados. Não estamos falando de nada que não esteja na lei. Estejamos alertas no Congresso Nacional e nas eleições municipais, para juntar mais pessoas nessas pautas e que sigamos juntas, perseverantes e fortalecidas”, finalizou.

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