Saberes ancestrais e sua importância para as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

Ìyálòrísá Joilda Pereira de Jesus (Mãe Joilda) representante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO)

Roda de Conversa debateu a importância do conhecimento dos povos de terreiro e indígenas para o SUS

A importância da valorização dos saberes para os tratamentos de saúde foi discutida na Roda de Conversa do Projeto Participa+ com o tema “Saberes Ancestrais de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Afro-Brasileira/Povos de Terreiro, e Educação Popular: Sua Importância para a PNPIC no SUS”. O encontro online ocorreu na noite de quarta-feira, 30 de outubro, e contou com usuários do SUS, pesquisadores, lideranças e profissionais da saúde de diferentes lugares do Brasil.

A Roda de Conversa foi proposta pela Comissão Intersetorial de Promoção, Proteção e Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (CIPPISPICS) que atua promovendo ações e buscando a institucionalização de práticas como homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, medicina tradicional chinesa, acupuntura, entre outras dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

O coordenador da CIPPISPICS, Abrahão Nunes da Silva, relatou que como usuário do SUS tem batalhado há muitos anos para inserção das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). “Antes das Constituição de 1988 não tinha uma política de governo, lembro de pessoas que tinham que vender um pedaço da terra, vender animais, vaquinhas de leite para fazer uma cirurgia ou exames. Quando em 1988 se criou o SUS, fiquei muito feliz de ter participado desse processo e estar participando até hoje das possibilidades que a gente tem”, contou.

Silva lembrou que, no passado, chás e ervas caseiras eram utilizadas para tratamentos de saúde, prática que foi sendo deixada de lado com o passar do tempo. “Fomos cuidados com coisas do mato, benzeção, simpatias, não tinha outra possibilidade, pois não se tinha acesso. Então hoje poder discutir nossa cultura, nosso saber popular é fundamental para fazer esse debate. Fico muito triste de ver que infelizmente não são valorizados os conhecimentos de povos indígenas, nossa ancestralidade dos irmãos africanos, não se respeita os povos de terreiro, ainda hoje se insiste nessa ignorância, voltado ao interesse do capital e não da saúde do povo”, disse.

A Ìyálòrísá Joilda Pereira de Jesus (Mãe Joilda) representante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), contou que muitas vezes os povos de terreiro são quem acolhe as pessoas que buscam acolhimento e ajuda. “Tudo para nós é sagrado, a folha, a água, a terra, o vento, a natureza, as plantas, os animais, o reino mineral, o reino vegetal, o reino animal. Então, a partir do primeiro caminho da divindade do Orixá Exu até Oxalá, nós cuidamos de acordo com a particularidade e necessidade de cada ser”, contou.

Mãe Joilda destacou que são utilizados os elementos da natureza para o cuidado com as pessoas. “Não estou aqui descartando de forma alguma a questão do tratamento alopático, mas muito antes dos medicamentos alopáticos chegarem até as nossas comunidades, essa forma do cuidar dentro dos terreiros, dessa forma tradicional e ancestral já acontecia”, pontuou.

Vera Lúcia de Azevedo Dantas, profissional de Saúde representante da Associação Brasileira da Rede Unida, destacou que a medicina tradicional de matriz africana tem potência para a promoção não só da saúde, mas de acolhimento às pessoas de forma diversa. “Essa política de práticas integrativas surge no SUS como possibilidade de acolher outras práticas relacionadas à saúde, não somente biomédica, considerando as pessoas na sua inteireza, com suas visões e modos de vida diversos”, afirmou.

Vera disse que é preciso olhar para as pessoas como um todo, não somente para onde está o sintoma da doença. “As práticas da biomedicina, não somente de médicos, mas de todos os profissionais, são práticas que hegemonicamente se aprende na universidade e não davam conta de um conjunto. A ciência cartesiana fragmentou as pessoas, dividindo o corpo humano em especialidades e concedeu a cada especialidade a responsabilidade de cuidar de um pedaço do corpo. Mas não somos peças de um carro que quando gasta simplesmente troca, somos pessoas que vivemos nossa inteireza, com nossas emoções, pensamentos, culturas e nesse contexto as práticas integrativas acolhem as pessoas de forma integral”, destacou.

Fronteiras

Maria do Socorro Souza representante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), falou sobre os desafios de reconhecimento e valorização da ancestralidade dentro do SUS. “Mesmo sendo um país muito diverso, fomos construindo muitas fronteiras de culturas, conhecimento científico, político, técnico, popular, ancestral e colocamos muitas fronteiras entre regiões; entre pessoas, classe, gênero, sexualidade. E então, mesmo em uma sociedade tão diversa, construímos todo tipo de barreiras e no SUS apostamos como um lugar de encontro, de integração, um lugar de respeito à diferença e diversidade para fazer uma sociedade melhor”, disse.

Maria destacou que a fronteira não está só na saúde, mas em toda a sociedade e que é preciso enfrentar esses desafios em prol de um SUS e de um país melhor. “Mesmo tendo uma tradição da matriz africana e indígena, somos uma sociedade fracionada pela ideologia colonizadora que impõe para gente uma assimilação, então ainda é uma busca por um lugar dos povos de matriz africana dentro do campo da saúde. Mesmo tendo todo o campo da saúde que se coloca como saúde coletiva, que se coloca como campo aberto para acolher todos os saberes e práticas, sabemos que em boa medida a saúde coletiva predominantemente está dentro de um espaço de fronteira que é a academia, então o controle social ou mesmo os movimentos sociais, quem acolhe é o Conselho Nacional de Saúde”, pontuou.

A Roda de Conversa contou ainda com diversas participações, como de Rafael Dall Alba da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e diversas lideranças ligadas ao tema.

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