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Oscar Jara integra a construção do marco de referência para sistematização de práticas de formação por meio digital na pandemia

O sociólogo e educador popular, o peruano Oscar Jara, presidente da CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe), está integrando o processo de construção do marco de referência para a realização da sistematização de práticas formativas de educação popular por meio digital realizadas por movimentos sociais no contexto da pandemia. O processo irá definir o conteúdo para a formação a conselheiros de saúde e representantes de movimentos sociais em todo o país, desenvolvido com apoio do CNS e OPAs/OMS.
Pela primeira vez a instituição irá desenvolver o processo de educação popular com auxílio das tecnologias da informação, considerado um grande desafio ético, político e pedagógico.
Coordenador do processo de sistematização no CEAP, Paulo Carbonari afirma que a instituição tinha o desafio de construir uma concepção de sistematização a partir da parceria com o CEAAL, tendo a colaboração de Oscar Jara, uma das principais referências teóricas, práticas e políticas para a sistematização da América Latina e Caribe. “Ele está neste diálogo permanente e nos ajudará a aprofundar o fazer desta sistematização de práticas formativas. É uma honra termos Oscar Jara, que é uma grande referência, neste processo”.

Paulo Carbonari durante o seminário de sistematização na última semana

A  diretora do CEAP, Elenice Pastore, afirma que este trabalho instiga quais processos metodológicos poderão ser utilizados para fazer educação popular no contexto de uma pandemia. “São processos formativos e queremos olhar para essas práticas que ocorreram para qualificar o processo enquanto instituição”.

Como fazer educação popular no contexto de uma pandemia?
Para responder essa e outras questões relevantes o CEAP conta com a parceria de instituições e organizações populares engajadas nos processos educacionais, especialmente neste momento crítico da saúde mundial, e que impacta diretamente os processos formativos.
Na última semana um seminário de sistematização contou com a participação do sociólogo Oscar Jara, que define este processo de construção como algo inédito, desafiante e criativo, “uma aventura” feita em mutirão. A base servirá de norte aos educadores e educadoras populares contratados pelo CEAP/OPAS/CNS, que irão ministrar oficinas online para 27 estados brasileiros durante 3 meses.

Sistematização de experiências
O sociólogo explicou que o desafio não é somente sistematizar, mas integrar um processo que nos convida, neste momento da história, a gerarmos uma proposta concreta, coletiva, compartilhada, que vai além das nossas próprias articulares experiências. “A palavra sistematização seria ordenar, catalogar, de um conjunto de informações. Às vezes confundimos a sistematização da informação com a proposta que agora utilizamos e vamos colocar neste processo de sistematização de experiências, que é muito mais do que somente dados, informações. Portanto teremos que ordenar, classificar, fazer tipologias, mas o desafio é ir além disso, construindo sentido para as experiências práticas realizadas”, explicou.
 Educação Popular no contexto da pandemia
Para Oscar Jara, a base do início da sistematização é uma ideia freireana a partir de uma pergunta geradora e, neste momento histórico da pandemia, exige que pensemos sobre o que vamos aprender deste momento, pois diante de uma situação-limite se poderá produzir conhecimentos e propostas inéditas. “Dentro da dificuldades e durezas que tem este momento é uma possibilidade interessante, pois temos uma crise do sistema capitalista, do sistema patriarcal. Todos estes elementos que temos vivido a nível mundial, neste momento a pandemia, coloca uma crise de fundo e para tanto temos uma oportunidade para ressignificar, repensar, recolocar nossas propostas de construção do futuro. Mais do que nunca a ideia de que outro mundo é possível se torna ainda mais necessária. Na situação do Brasil este é um ponto fundamental. É preciso questionar: Como vamos responder e quais as oportunidades para construir este futuro e o que vamos aprender dele? São desafios éticos, políticos, pedagógicos e epistemológicos. Outra forma de conhecer, viver, nos encontrar enquanto comunidade que está nos exigindo uma resposta. Construirmos juntos/as um inédito viável”, disse.
Para Jara a sistematização é um desafio conjunto e existe uma ideia freireana sobre a palavra desafio, que aparece em grande parte dos escritos de Paulo Freire, destacando que os educadores devem desafiar o educador, sendo um aprendizado e um desafio mútuo, de todos os envolvidos. “É uma ideia muito poderosa, de não fazer apenas uma análise de fora, mas sim uma prática que nos desafia a todos. É um processo de produção de conhecimento que tem como ponto de partida os saberes que estão contidos nas práticas organizativas. Estas práticas produzem conhecimentos propositivos, criativos, que não podem ser feitos de forma burocrática, formal, pois são um processo vital, afinal nossas experiências são vitais. Este processo que estamos compartilhando é tão interessante, pois traz as experiências das pessoas que fazem parte deste coletivo e eu fico muito feliz de poder compartilhar isso com vocês”.

“Nós não percebemos quanta riqueza tem cada coisa que fazemos cada dia. A sistematização tenta penetrar nesta riqueza, nestas potencialidades para descobrir e explicitar estes ensinamentos”. Oscar Jara

Cada experiência formativa é um processo educativo
O sociólogo acredita que, cada projeto de trabalho, cada experiência formativa é um processo educativo sempre, mesmo que seja um projeto particular, pontual. Para ele os processos educativos têm um processo, uma trajetória, sendo neste caso, educativos e organizativos. “Quando falamos em experiências, estamos falando em experiência vivas, um conjunto de fatores diversos. Neste processo as experiências que queremos sistematizar são complexas, estão em constante movimento, envolvem ações, situações específicas de um contexto, as relações que vamos criando ao longo desse processo. Cada uma das experiências que iremos sistematizar é inédita. O grande desafio é de que forma vamos aprender deste processo inédito e irrepetível. É uma reconstrução de um processo vivido para analisa-lo e interpretá-lo criticamente. Vamos extrair aprendizagens significativas, compartilhar e contribuir para a transformação”.
A sistematização pretende recolher e construir os processos, tentando identificar as principais aprendizagens destas práticas e contribuir para experiências futuras e de outras pessoas. “Este é o sentido principal que tem esta ideia de sistematização de experiências. A sistematização é processo crítico e participativo de educação popular transformadora, temos que esta sistematização vai formar parte de nossas experiências de formação e que a gente irá se formar fazendo esta sistematização, fazendo parte dela. Será um processo de educação popular onde cada um de nós vai aprender, com intercâmbio de informações”.
Processo organizativo
Ponto de partida do trabalho serão as experiências vividas pelas organizações, especialmente ao longo da pandemia – desde abril de 2020 a março de 2021 -, um período complexo, com dificuldades e inovações. A partir disso será gerado um plano de sistematização de cada pratica e serão formulados em conjunto os objetivos, o que se busca atingir, qual o período em que se concentrará, passando pelo eixo central que atravessa a experiência e desde o qual interessa olhar e escutar a realidade. Depois se identifica o procedimento, quanto tempo durará e quem fará.
“Teremos experiência, plano e processo para recuperar historicamente este processo vivido, para recolher o que tem acontecido e passar ao momento mais importante que é a interpretação crítica, onde vamos retirar as aprendizagens e a partir disso, formular recomendações (não se trata de dar conta do que aconteceu, mas o que queremos que aconteça agora). A sistematização de experiências é um processo para nos apropriarmos do passado e nos permitir que possamos nos apropriar do futuro, aquilo que a partir desta troca de experiências, deste intercâmbio, tentaremos construir de outra forma, com mais elementos, com mais riqueza”.  O último desafio será a elaboração de um documento com produtos comunicativos.
Para Oscar Jara, muito mais importante que o processo de sistematização e os produtos que vão sair disso, é viver este processo como estamos vivemos neste momento. “Já estamos engajados num processo de construção maravilhoso, inédito, desafiante, criativo. Não é burocrático de simplesmente preencher informes, planilhas. É um processo de reflexão crítica, reflexiva, participativa, transformadora, dialógica. Nossa prática pode ter muitas lições, precisamos fazer um exercício crítico dirigido para extrair as lições as aprendizagens, pois elas não irão desenvolver de forma automática”, finalizou.
Oscar Jara atua há mais de 40 anos na educação popular. Iniciou a trajetória em seu país natal, antes de percorrer a América Latina com seu trabalho – ele também possui cidadania costarriquenha. Ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFRGS em setembro do ano passado, poucos dias depois de ser o conferencista de abertura da 36ª edição do Seminário de Extensão Universitária da Região Sul (SEURS 36), evento sediado pela UFRGS. É presidente do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (CEAAL).

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